Em fins de Março as temperaturas já estão consideravelmente agradáveis, mas com o por do sol e o raiar da lua fica mais frio, pelo que optei por um conjunto confortável. O Sergio estava elegante, mas super desportivo.
Assim que chegamos a casa dos meus tios e, depois de tocarmos à campainha, eles abriram-nos a porta.
- Ana...querida! - o meu tio abraçou-me e olhou para mim - como é que tu estás? E o que é que tu estás aqui a fazer? - perguntou ao Sergio.
- Nada do que aconteceu é o que parece...temos de falar com calma.
- Entrem... - o meu tio deu-nos licença e nós entrámos em casa dele.
Fomos até à sala onde estava a minha tia com o pequenino Sergio.
- Boa noite - dissemos.
- Boa noite meus queridos - disse a Elsa vindo ter connosco e cumprimentando-nos.
O meu primo...estava maior, muito maior desde a primeira vez que o tínhamos visto. Estava a ficar cada vez mais bonito e maravilhoso.
- Querem tomar alguma coisa? - perguntou o meu tio.
- Não obrigada - respondi.
- Sergio?
- Não obrigado Ricardo.
- Eu telefonei-lhe porque achei que deveriam estar a par do que ia acontecendo pelos meios de comunicação. E depois como fui para os Estados Unidos...e não estive contactável ..pensei que fosse melhor falar com vocês, pessoalmente e esclarecer tudo.
- Tu estás bem? De saúde... - perguntou a minha tia.
- Mais ou menos...eu tenho um pequeno problema de coração. Não posso estar exposta a demasiada pressão e enervar-me durante muito tempo. Mas...quanto ao resto está tudo bem.
- Mas esse teu problema...é já de há muito tempo? - inquiriu, preocupado, o meu tio.
- Não. É recente. E estou a tomar medicação para isso. Os médicos não sabem é se é genético ou se é uma coisa mesmo minha.
- Os teus pais nunca tiveram nada disso. Nem o teu tio - esclareceu a Elsa.
- Então deve ser mesmo meu.
Ficamos ali, na sala de estar, a falar.
Contei-lhes tudo o que tinha acontecido entre mim e o Sergio. Eles ficaram incrédulos por algumas das coisas que a Pilar fez, pela forma como resolvemos tudo e...pelo facto de estarmos juntos. Aqui. Agora. Neste preciso segundo.
- Eu nem sei o que dizer a tudo isso... - disse o meu tio.
- Eu quero pedir-lhes desculpa. Por ter feito a Ana passar por tudo isto... - afirmou o Sergio...deixando-me completamente à nora - vocês são praticamente a única família de sangue dela e devo-lhes explicações.
- Preocupem-se em serem felizes...a partir de agora. Não se preocupem com nada do resto. Podiam ir de férias...mas o Sergio com o trabalho que tem não dá, não é?
- É verdade...mas em Julho saímos daqui durante uns tempos e tiramos uns tempos só para nós - respondeu o Sergio.
- E fazem muito bem.
Enquanto que o Sergio ficou com o meu tio na sala, eu fui ajudar a minha tia com o jantar e com a preparação da mesa. Tinha-me pedido para colocar cinco pratos na mesa...mas nós seríamos quatro.
- Vem jantar alguém connosco? - perguntei.
- Vem sim...o teu tio ainda não te disse...mas é uma pessoa da família.
- A serio?
- Sim...não queria ser eu a dizer-te...e...depois do que nos contaste do teu problema de coração...eu nem sei se deva seguir com esta ideia para a frente.
- Tia...diga-me o que se passa. Por favor.
- É melhor que o teu tio esteja presente.
- Está a assustar-me.
- Não. Não te assustes querida. Vem comigo - fomos as duas até à sala e sentamo nos. Eu ao lado do Sergio e a minha tia ao lado do meu tio - Ricardo...é melhor falares com a menina.
- Já lhe disseste que vinha cá alguém?
- Ela estava a ajudar com a mesa...
- Ana... - o meu tio virou-se para mim - tens de ter calma.
- Calma...vocês estão a assustar-me.
- Eu acho que não é boa ideia contarmos.
- Contam, contam! Eu aguento - dei o braço ao Sergio e segurei-o com força...tenho a certeza de que o que aí vem...não é coisa boa.
- Vais ter de ter muita calma...e muita força.
- Mas é assim tão grave?
- Não é...grave. Pode ser chocante para ti.
- Conte. A serio...
- Bom. Eu não sei se sabes, mas eu estou em Madrid porque quando era mais novo eu e o teu pai passamos aqui umas férias e eu acabei por ficar cá a morar.
- Não sabia.
- E...foi nessas férias que o teu pai conheceu a tua mãe. Ela também estava de férias e foi aqui que a vida deles começou.
- A serio?
- Sim. Acho que só mesmo os teus avós é que sabiam.
- Nunca me contaram nada...
- Pois não. Não te contaram nada porque...quando o teu pai conheceu a tua mãe, ela estava noiva de um rapaz.
- Noiva!?
- Sim. Os teus pais tinham uma certa diferença de idades.
- Sim, eu sei.
- E...quando eles se conheceram...eles começaram a sair muito...às escondidas. E...a tua mãe engravidou do teu pai.
- Engravidou?!
- Sim...e ela quis levar a gravidez em frente...mas os teus avós sempre a contrariaram.
- Eles não aceitaram a gravidez da minha mãe?
- Não. Queriam que ela abortasse e que continuasse com o noivado que tinha. Mas ela não o fez...e quando teve o bebé...
- Mas ela teve o bebé?
- Teve...cá em Madrid, quando fugiu com o teu pai e vieram ter comigo.
- Uau...mas e...esse bebé...era eu?
- Não...este bebé nasceu 3 anos antes de ti. Mas...
- O que é que aconteceu?
- Os teus pais...depois de terem o bebé...voltaram para Lisboa. E deixaram-no a viver com uma família adoptiva.
- Como...como é que eu nunca soube nada disso?
- Porque ninguém sabe...para os teus avós...o teu irmão morreu.
- Irmão...
- Sim. Ele continua cá...sabe de toda a história, esteve presente no funeral dos vossos pais, nós estamos muitas vezes com ele...e ele sabe da tua existência...
(Sergio)
Toda esta história estava a ser completamente...surreal.
A Ana tem um irmão. Um irmão de sangue...um irmão que nunca conheceu, que nunca brincou com ela, que nunca a protegeu como irmão mais velho.
Ela chorava, apoiada no meu braço e eu não sabia ao certo o que fazer ou dizer.
(Ana)
- Nós...não sabíamos desse teu problema de coração...porque se soubéssemos não tínhamos combinado nada.
- Mas...vocês combinaram alguma coisa? - falei entre soluços...toda aquela história...era estranha, era parva...mas...era a realidade.
A realidade é que eu tenho um irmão, um irmão de sangue...que nunca tive e sempre o desejei ter.
- Ele soube do que aconteceu ultimamente e hoje foi ter comigo ao trabalho. Estávamos a falar sobre ti quando me telefonas-te. E ele quis vir conhecer-te.
- Ele quis?
- Sim...mas se tu não estiveres em condições eu falo com ele e digo-lhe que não venha.
- Vem...eu quero conhece-lo...acho eu.
- Ele deve estar a chegar...
- Já?
- Sim... - nisto sou-a a campainha...aquele som fez-me estremecer de uma ponta à outra. Levantamo-nos todos...
- Abro? - perguntou a Elsa.
- Eu vou lá...tu achas que consegues? - inquiriu o meu, colocando-se à minha frente.
- Talvez.
- Ele entenderá se não o conseguires.
- Sim...Ana...se achares que não consegues...é melhor não ser já - falou o Sergio, agarrando-me pela cintura.
- Vocês estão aqui...eu consigo.
- Eu vou lá então - o meu tio deu-me um beijo na testa e ausentou-se.
Ouvi uma voz diferente...era a voz do meu...irmão...da pessoa que tem o sangue igual ao meu...que tem os mesmos apelidos que eu...que é...a minha família mais próxima. O irmão mais velho que nunca tive...e sempre o quis ter.