sábado, 24 de setembro de 2016

69: “é a mãe, ratinha.”

 Os dias passaram, mais tranquilos do que Ana alguma vez pensou que pudesse acontecer dado aos acontecimentos dos últimos tempos.
- Ana? – Sergio chegava à cozinha, colocando-se ao lado da mulher.
- Que é que se passa? – apenas pelo tom de voz de Sergio, Ana conseguiu perceber que alguma coisa ele queria dizer-lhe. E, depois de o olhar, percebeu que havia uma certa preocupação estampada no seu rosto.
- Podemos falar um pouco?
- Claro – Ana desligou o bico do fogão e os dois sentaram-se à mesa, lado a lado – o que é que te anda a preocupar?
- Acho que há já algum tempo que devia ter tido esta conversa contigo porque és minha mulher e tens todo e mais algum poder de decisão sobre as nossas vidas – naquele momento a certeza de que seria uma conversa séria tornou-se ainda maior – eu tenho recebido algumas propostas de trabalho… - esta conversa… - eu sei que, se calhar, nunca te ocorreu que eu pudesse pensar nesta situação, nesta altura sobretudo…mas eu tenho propostas bastante aliciantes, que nos poderiam dar uma maior estabilidade ao dois.
- Sergio…
- Eu sei que pode parecer algo muito repentino, que também pode parecer que só estou a pensar em mim e na minha profissão mas, ao sair de Madrid, eu só sairia para vos dar o melhor aos dois. Só mudaria de vida para que as nossas vidas pudessem melhorar.
- Eu sou feliz com a vida que tenho em Madrid. Eu não esperava que pudesses vir com esta conversa neste momento – de certa forma, Ana não sabia bem o que pensar – claro que sei que, mais cedo ou mais tarde, acabarás por sair de Madrid mas eu não sei se estou preparada para que seja neste momento – Ana viu o olhar de Sergio afastar-se do seu. Conseguia perceber que, talvez, não fosse aquela resposta que ele estaria à espera – tu sabes dos problemas que eu tenho entre mãos, sabes da proposta de trabalho que estou a ponderar…e o Vicente é tão pequeno. Seriam muitas mudanças…
- Eu percebo mas…achas que podemos considerar a hipótese dessas mudanças?
- Eu não sei, Sergio. Não sei mesmo… - o som do telemóvel de Ana fez-se ouvir nos segundos seguintes, fazendo-a saltar da cadeira num ápice. Dirigiu-se até à sala, atendendo a chamada – boa noite? – disse, ao atender sem reparar quem era.
- Já não sabes quem eu sou é? sentiu o seu corpo enfraquecer. Sentou-se no sofá desatando num pranto que há muito não lhe acontecia. Do outro lado da linha tinha a sua Miranda, a sua melhor amiga, quem mais falta lhe fazia então minha princesa?
- Miró… - estava cheia de saudades da sua melhor amiga por mais que falassem todos os dias – tenho tantas saudades tuas…
- Oh meu amor, eu também tenho saudades tuas! Mas não precisas de chorar, nós andamos sempre em contato uma com a outra. O que é se passa?
- Há tanta coisa a acontecer…
- Eu sei, eu sei disso meu amor. Eu vou para Madrid amanhã de manhã e estou já aí uma semaninha para te ajudar e estar contigo um peso começava a sair das costas de Ana. Estar com a sua melhor amiga era tudo aquilo que pedia naquele momento. Era o que mais lhe iria fazer bem mas tu estás bem? Aconteceu mais alguma coisa?
- É só…posso ser eu a ir buscar-te ao aeroporto e vamos tomar o pequeno-almoço juntas?
- Claro. Eu vou com os meninos e a Manuela, deixamos todos em casa e vamos as duas pôr tudo em dia.
- Obrigada. Obrigada mesmo, Miró.
- Shh, tu estás a precisar de mim e eu já percebi isso.
- Preciso imenso mesmo…
- Eu estou a chegar, meu amor mantiveram-se a conversar durante algum tempo. O tempo suficiente para conseguir acalmar-se e pensar com a cabeça mais tranquila.
Desligou a chamada, deixando-se ficar ali sentada. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, Sergio iria estar à sua procura ou que, provavelmente, teria ouvido parte da conversa e já estava a olhá-la pela porta entre a cozinha e a sala. Mas optou por não se mexer, não movimentar um único músculo seu.
- Estiveste a chorar? – a voz de Sergio quase parecia ecoar pela sala, ou então pelo coração de Ana.
- Estive a falar com a Miranda…são as saudades a funcionar – levantou-se, deparando-se com Sergio encostado à ombreira da porta – eu vou terminar o jantar…achas que podes ir buscar o Vicente para ele comer, também?
- Claro – Ana passou por Sergio, indo até à cozinha. Naquele momento os dois perceberam que as coisas estavam mais tensas entre ambos. Naquele momento, toda a história de uma possível mudança afastou-os aos dois.


- É muita coisa a acontecer neste momento…
- Mesmo que eu me queira pôr no teu lugar é algo que eu não conseguiria fazer – Ana e Miranda estavam juntas há quase duas horas. Duas horas onde Ana desabafara sobre o que a atormentava naquele momento: a insistente procura de comprarem a casa, a oferta de trabalho, os sete meses de Vicente e, por último, a conversa com Sergio. Muita coisa estava e estaria para acontecer.
- Já tive momentos em que tive de ser eu a procurar problemas onde eles não existiam…se calhar agora é a paga e os problemas estão a vir todos para cima de mim ao mesmo tempo.
- Precisas de levar um de cada vez. Começar pelos mais simples e dar uma solução a cada um deles.
- Se eu soubesse qual deles é o mais simples…
- A oferta de trabalho! – Miranda demonstrava estar disposta a ajudar Ana de qualquer maneira. Se há coisa que, naquele momento, Miranda mais queria era aliviar o peso que Ana tinha sobre si naquele momento – não é super simples, não é algo que possas dizer que sim ou que não por ti só. Fala com o Sergio, falem os dois sobre as propostas de trabalho que ambos têm. E, a partir daí, resolvam as coisas.
- Se fosse assim tão simples…
- Eu sei que não é – Miranda passou o braço por cima dos ombros da amiga, puxando-a para ela – mas tens de começar por algum lado. Tens de superar o primeiro obstáculo para dares cabo de todos a seguir – Ana olhou-a e respirou fundo.
- Obrigada. Por simplesmente seres a melhor irmã que eu tenho.
- O Gonçalo se ouve isso fica com ciúmes – as duas riram-se e Miranda acabou por beijar a bochecha de Ana – eu vou estar sempre aqui para tudo o que precisares.
- O mesmo te digo eu. Como é que têm andado as coisas lá por Munique? – perguntou para conseguir mudar de assunto e focarem-se em Miranda por um momento.
- Ainda é tudo muito estranho, a língua é horrível mas tem sido muito bom. Temos lá o Thiago Alcantara que nos ajuda imenso a perceber as coisas e a comunicar, ele tem mulher então andamos muitas vezes com eles.
- Que bom! Ainda bem que tens lá alguém assim. E os meninos? Eles têm-se adaptado bem?
- Sim. Acho que para eles é mais complicado porque há sempre aquela vergonha inicial de falarem com alguém, há o medo de errarem…mas eles já falam mais alemão do que eu e o Xabi juntos – as duas riram-se por um momento.
- E a nossa princesa já fez um ano! – Maya havia cumprido um ano há duas semanas. Tinha havido uma pequena festa onde os pais de Xabi tinham estado presentes. Ana bem desejou lá estar, mas foi-lhe recomendado pela médica de Vicente que não o fizesse, tendo em conta os problemas de saúde que o menino tivera quando nasceu – desculpa por não ter ido ter com vocês…
- Eu sei. E não te tens de preocupar com isso, foi só mesmo para marcar o dia porque para ela foi mais do mesmo. Comeu, dormiu, brincou e pouco mais – as duas riram-se, ficando ainda algum tempo juntas.
Ana sabia que Miranda tinha razão quando lhe dizia que precisa de começar a resolver os seus problemas, quando lhe disse para começar por algum lado. E Ana sabe que só precisa de ganhar coragem para começar e enfrentar o primeiro problema de frente.


Ana terminou de dar banho ao filho, pegou nele ao colo começando a dirigir-se para o seu quarto. Ouviu o seu telemóvel tocar, apressando o passo para o atender. Era Salvador.
- Sal! Como é que estás?
- Eu estou bem e tu, miúda?
- Eu cá vou andando…com tudo por resolver.
- Eu não imagino como seja difícil gerir tudo…
- Tem sido complicado – Ana deitou Vicente na sua cama, sentando-se perto do filho – há mesmo muita coisa a acontecer neste momento.
- Eu liguei para saber se havia desenvolvimentos por aí. É que o advogado voltou a ligar…
- Para ti? Porquê? Eu tenho falado com ele! Para que é que ele te foi ligar? – Ana não estava a conseguir compreender aquilo, não depois da conversa que teve com Simeone.
- Acho que a mulher quer comprar a casa sozinha…
- Eu já falei com o marido dela…não percebo, juro-te – Ana percebeu que tinha uma chama em linha, vendo que era o seu irmão – Sal, o meu irmão está a ligar-me. Importas-te que te ligue depois?
- Claro que não. Vê lá o que aconteceu que depois falamos.
- Obrigada por teres ligado – Ana desligou aquela chamada, atendendo logo de seguida a do seu irmão – olá, Gonçalo.
- Como é que estás?
- Lá vamos andando. O Salvador, o meu amigo que tem a casa de Portugal…ligou agora a dizer que lhe voltaram a ligar.
- Hum…isso já está a ficar cada vez mais complexo.
- Nem tu sabes o quanto!
- Ouve…se tu quiseres vamos os dois a casa deles e falamos com os dois Ana não esperava ouvir aquilo de Gonçalo. A relação dos dois tinha melhorado, não poderiam negá-lo, mas Ana ficava surpreendida com determinadas ações do irmão.
- Obrigada, Gonçalo. Mas eu não sei o que fazer…eu ando muito baralhada.
- Eu acredito que sim, Ana. Isto deve mexer imenso contigo…mas se quiseres, eu vou contigo se calhar não era o mais correto a fazer, nem o mais indicado. Mas tinha de começar por algum lado.
- Podemos ir lá amanhã?
- Claro que podemos. Quero que resolvas isto de uma vez por todas.
- Obrigada, Gonçalo.
- De nada. Também te liguei para dizer que a avó está doente…eu fui com ela hoje ao médico, é uma constipação bem forte.
- A sério? Podias ter dito que eu tinha ido contigo!
- Não te quis maçar com isto. O médico alertou para se, daqui a três dias, ela não estiver melhor a levar de novo ao hospital.
- Se precisares de alguma coisa diz. Vamos esperar que ela não tenha de ir ao hospital de novo… - Sergio entrou no quarto, deitando-se ao lado do filho. Começou a beijar-lhe a bochecha, fazendo o menino rir-se à gargalhada.
- Está animado!
- O Sergio está a brincar com ele.
- Vá, então aproveita esse momento para relaxar. Amanhã passo aí para te ir buscar, sim?
- Sim. Obrigada – despediu-se do irmão, atirando o seu telemóvel para o lado e ficou apenas a olhar para o seu marido e o seu filho – eu poderei considerar a saída de Madrid – começou, fazendo com que Sergio a olhasse – mas só depois de ter tudo resolvido aqui, só depois de o Vicente ter autorização para viajar…
- Penso que podemos ficar descansados, por agora – Sergio sorriu, agarrando a mão de Ana – as propostas que houveram não são as ideais. Eu vou ficar por Madrid este ano…ficaremos os três juntos, aqui.
- Tu não recusaste por minha causa, pois não?
- Não, meu amor. Eu só aceitaria algo depois de falar contigo sobre a proposta. Mas não nos ia dar mais do que temos agora. Mas obrigado por considerares sair de Madrid comigo.
- Eu vou querer sempre estar onde tu estejas.
- Gracias. De verdad – Ana aproximou-se do marido, beijando-lhe os lábios – vale. A tua proposta de trabalho…queres falar sobre ela?
- É diferente do que eu estou acostumada – viu Sergio olhar para o filho, começando a brincar com as mãos de Vicente – é uma revista de arquitetura e decoração de interiores, eu seria responsável por entrevistas na área…e eu não conheço assim grande coisa disso. Eu acho que tu até estarias mais bem qualificado para o trabalho do que eu – Sergio olhou para Ana, enrugando a testa – o que tu fizeste com a nossa casa…não era nenhum homem que o faria!
- Eu só dei ideias do que queria. Quem tratou de tudo foi a minha mãe, a Miriam e a Miranda – Ana ficava mais do que surpreendida com aquela afirmação. Nunca Sergio antes lhe tinha dito – estraguei o teu sonho de homem decorador de interiores não foi?
- Foi! Enganaste-me este tempo todo – os dois riram-se e Sergio levou a sua mão ao pescoço da mulher.
- Eu sei que não é a tua área – começou Sergio – mas eu conheci a tua casa e Lisboa e a outra ao pé da praia. E tu essas decoraste-as sozinha…e estavam lindas. Tenho a certeza que te vais dar bem por lá, caso aceites, e que depois te vais esforçar ainda mais para conseguires aprender tudo. E é o recomeço da tua carreira de jornalista.
- Obrigada – Ana beijou-o, levantando-se a seguir. Foi até à sua mala, retirando de lá o cartãozinho com o contato que o diretor da revista lhe havia dado há algum tempo – acho que posso, então, saber mais do que é que a oferta de trabalho implica.
- Isso é um excelente começo – os dois sorriram e Ana iniciou uma curta chamada com Davi de la Rosa. Combinaram uma pequena reunião para dali a dois dias
- Feito. Daqui a dois tinhas tenho reunião e logo veremos.
- Vai correr tudo bem e, escolhas o que escolheres, eu vou estar cá para te apoiar.
- Obrigada, a sério – voltou a sentar-se na cama, reparando que Vicente tinha adormecido – outra coisa – olhou para Sergio – amanhã vou com o Gonçalo a casa do Diego.
- O Simeone?
- Sim. Ligaram hoje, de novo, para o Salvador. Ao que parece a mulher dele está interessada em comprar a casa sozinha.
- Bem, não desiste mesmo!
- E eu já começo a ficar farta disto. Agora que dois pesos saíram-me de cima, tenho de lidar com este isolado.
- Fico contente que o teu irmão te ajude nisto. E que a vossa relação esteja a crescer.
- Eu também, Sergio. E…desculpa se eu não tenho sido a tua mulher nos últimos tempos. Praticamente não temos tido tempo os dois sozinhos… - Sergio colocou o seu dedo indicador nos lábios de Ana, levantou-se e pegou em Vicente ao colo.
Saiu, por momentos, do quarto regressando sem Vicente no seu colo.
- Estamos sozinhos! – Ana riu-se, vendo Sergio abrir os braços. Apressou-se a ir na direção dele, levando as suas mãos ao peito do marido – és e sempre serás a mulher que eu mais quero neste mundo – depois de levar as suas mãos ao pescoço de Ana, Sergio beijou-a sem pressa de terminar aquele momento.
E há quanto tempo não estavam os dois sozinhos enquanto casal. Há demasiado tempo, fazendo com que cada beijo fosse uma nova descoberta de sensações, de prazeres, de sentimentos a explodirem no interior de Ana. Sabia que Sergio a conhecia como ninguém, sabia que iria proporcionar-lhe dos melhores e maiores momentos de prazer,
Não estavam juntos assim, entregando-se um ao outro com um desejo tremendo, um sentimento de posse um do outro e uma vontade de não pôr um ponto final há demasiado tempo. E ambos sentiam falta disso mas, naquele momento, todo o tempo em que não se tinham entregue um ao outro estava a ser recompensado.


- Deixei o Vicente com a Miranda. Eu não sei quanto tempo demoramos aqui – confessava Ana ao seu irmão, já a caminho da casa de Simeone.
- Como é que ela está?
- Acho que nunca a vi tão feliz. Sabes…a Miranda cresceu comigo e com todas as meninas do orfanato, nas mesmas condições, sem o mesmo afeto. E ela sempre foi a que procurava mais carinho, mais amor e uma família – Ana olhou o irmão – e estar a ter isso tudo agora…acho que é o momento em que a Miranda mais anda feliz.
- De certeza que o irá continuar a ser por muitos e bons anos. Acho que é aqui – disse, parando o carro em frente de uma grande e bonita moradia.
- Acho que não estou preparada… - Gonçalo agarrou a mão da irmã, fazendo com que a rapariga o olhasse.
- Eu estou contigo. Vai correr tudo bem.
- Obrigada – Ana não resistiu e abraçou o irmão. Saíram, depois, os dois do carro indo na direção do pequeno portão da casa. Gonçalo tocou à campainha, esperaram um pouco e Diego apareceu junto do portão.
- Ana… - abriu o portão, cumprimentando-a com dois beijos.
- Este é o meu irmão, Gonçalo é o Diego – os dois cumprimentaram-se com um aperto de mão e Diego olhou para Ana – desculpe termos aparecido aqui sem avisar. Mas eu já soube que a sua esposa quer avançar na compra da minha casa sozinha…
- Ana, eu falei com ela. Disse-lhe que ia deixá-la decidir sozinha e que não me iria envolver no assunto. Mas ela não desiste…
- Seria possível falarmos com ela?
- Bom… - Ana reparou que, de um momento para o outro, a tranquilidade existente no rosto de Diego tinha desaparecido. Começou a mexer as mãos uma na outra, coçou a cabeça e não a olhou nos olhos durante alguns segundos – eu acho melhor não – voltou a olhar para Ana – porque não vêm noutro dia? Ela hoje não se está a sentir muito bem…
- Mas só para uma palavrinha… - começou Ana.
- Ana – chamou-a Gonçalo, fazendo com que a irmã o olhasse – tentamos noutro dia – Ana assentiu que sim com a cabeça, olhando de novo para Diego.
- Desculpe termos aparecido aqui sem avisar…
- Não precisas de me pedir desculpa. E venham quando quiserem…pode ser que a consigam fazer mudar de ideias.
- Obrigada – despediram-se de Diego, voltando para o carro. Gonçalo começou a conduzir, parando o carro ao fundo da rua – que se passa?
- De certeza que ele vai ter de sair para o treino – olhou para a irmã – nessa altura nós vamos lá ver se ela está lá – Ana sorriu, sabendo que ainda hoje aquele assunto também poderia ficar resolvido.
Passaram meia hora naquele carro, tentando ocupá-los da melhor maneira. Cantaram, riram-se e falaram sobre as melhoras na saúde da avó. Assim que viram um carro sair de casa de Diego e vir na direção deles, baixaram-se para que não fossem vistos.
- Quem era? – perguntou Ana.
- Acho que era ele – sentaram-se os dois como deve ser e Gonçalo ligou o carro, indo até à porta de casa. Saíram dele, caminhando de novo na direção do portão – estás pronta?
- Acho que sim – Ana respirou fundo, bem fundo, tocando à campainha.
Passado pouco tempo, a porta da casa abriu-se e uma senhora apareceu. Deveria ser Tereza, a mulher de Diego. Longos cabelos morenos, uma figura bastante maternal e simpática. Ninguém lhe daria mais de 40 anos, uma maquilhagem impecável que a deixava ainda mais encantadora e muito bem vestida. Notava-se que era mulher de posses, que tinha cuidado com a sua imagem.
À medida que se ia aproximando deles, Ana conseguia ver as lágrimas a escorrerem pela cara daquela mulher. Começou a ver que havia imenso sofrimento naquele mulher que se aproximava dela. Os olhos de Tereza, estavam fixos aos de Gonçalo e, assim que chegou ao portão, ambos ouviram um enorme suspiro vindo da mulher.
- Gonçalo… - disse Tereza, fazendo com que os dois não conseguissem compreender como é que ela saberia o seu nome. Tereza abriu o portão, aproximando-se de Gonçalo – sou eu, filho. É a mãe – no momento em que Tereza levou a sua mão à cara de Gonçalo, o rapaz deixou-se petrificar. Olhou de esguelha para Ana que nem um único músculo mexia.
Ana. Não estava a conseguir sequer processar o que os seus ouvidos acabavam de ouvir. Não conseguia tirar os olhos de Tereza mas não sabia o que pensar. Nada na sua cabeça fazia sentido naquele momento. Tereza olhou-a, aproximando-se dela.

- Filha – Tereza quis aproximar-se dela, quis tocar-lhe mas Ana recuou. Nada daquilo estava a fazer sentido – ratinha – as lágrimas invadiram o rosto de Ana ao ouvir aquilo…como é que aquela mulher poderia ser a sua mãe? Estava…diferente, agora que a olhava bem reconhecia-lhe os olhos mas todo o seu rosto estava diferente. Aquela não poderia ser a sua mãe…aquela não poderia ser a mulher que a trouxe ao mundo, a que mulher que ela mais amava, a mulher que ela perdeu aos 4 anos. Não poderia ser ela e ser a mesma que lhe queria tirar o que restava da sua infância – é a mãe, ratinha. 



Olá meninas! 
Em primeiro lugar quero pedir-vos desculpa pela demora em trazer um novo capítulo a esta história. Como já tinha anunciado, a Veo está a entrar na sua fase final pelo que muitas decisões têm de ser pensadas e tomadas. Daí, às vezes, ser complicado transportar as ideias que tenho na cabeça para um documento Word. 
Espero que gostem deste capítulo e do rumo que toda a história está a levar. Fico à espera da vossa opinião e, se for o caso, dos vossos desejos para o que falta de história. O que é que ainda gostariam de ver? Quais são as vossas expetativas? Digam-me tudo em comentário. 
Beijinhos, 
Ana Patrícia. 

quarta-feira, 13 de julho de 2016

68: “Não…o Mario não tem nada a ver com isto”

 Os dias foram passando sem que Ana conseguisse ter alguma informação extra sobre as pessoas interessadas na compra da sua casa. Pilar já a tinha informado que tinha falado com o seu advogado e que em breve lhe poderia dar mais informações daquilo que fosse descobrindo.
- Não queres avançar e procurar quem são mesmo os compradores? – perguntava Sergio, enquanto estavam a terminar o jantar.
- Não sei, Sergio… - Ana encostou-se à bancada da cozinha, olhando-o – não sei se quero saber quem está atrás de tudo isto. Eu, por mim, não ligo a mais nada e eles que esqueçam a casa e o terreno.
- Não me parece que seja assim tão fácil – Sergio desligou o fogão, olhando para a esposa – eles estão bastante interessados na tua casa.
- Mas eu não estou interessada em abrir mão dela. Sabes o que significa a casa e o sítio para mim…posso já não ir lá há imenso tempo, não cuidar daquele espaço como meu mas está ao cuidado de alguém em quem confio, alguém que sabe o que aquele espaço significa.
- E o Salvador sabe isso perfeitamente.
- Por isso…aquele espaço agora pertence-lhe. E eu não vou abrir mão dele para outras pessoas ficarem com aquilo… - no intercomunicador fez-se ouvir o som de Vicente a chorar – vou buscá-lo – Ana saiu do quarto, dirigindo-se ao quarto de Vicente.
Assim que chegou ao quarto de Vicente, reparou que o menino se matinha deitado e mais sossegado. Com os seus seis meses, Vicente estava cada vez mais a ganhar a sua personalidade, os seus truques e esquemas. Sabia que se não estivessem a dar-lhe atenção, se chorasse alguém viria ter com ele. E, tanto Ana como Sergio, sabiam desses truques todos e, mesmo assim, continuavam a alimentá-los.
- Acordaste bichinho? – Ana aproximou-se do berço de Vicente, começando a mexer na barriga do filho – agora vais jantar connosco…és muito esperto! – Vicente ria-se à gargalhada olhando para a mãe – vamos lá, fofo – pegou no filho ao colo, indo trocar-lhe a fralda antes de se dirigir à cozinha onde costumavam jantar quando estavam sozinhos – o gordinho sentiu o maravilhoso cheirinho da paella lá em cima – Sergio, que terminava de colocar os talheres na mesa, aproximou-se de Ana que lhe entregou o filho para os braços.
- Coisa boa do pai – Sergio sentou-se numa das cadeiras, enchendo o filho de beijos. Ana adorava aqueles momentos deles dois, os momentos em que Sergio se entregava apenas ao filho e Vicente tinha toda a atenção do pai para ele.


- Hola! – Ana recebia na sua casa Pilar com Esperanza.
- Titi! – Esperanza apressou-se em abraçar as pernas de Ana que depressa pegou nela ao colo – titi Ana!
- Oh minha princesa… - Ana sentiu a menina abraçá-la. Esperanza estava quase a completar dois anos e Ana só se arrependia de não conseguir estar todos os dias com a sua pequenina – a tia tinha tantas saudades tuas! – Esperanza olhou-a.
- Eu também! O bebé? – tanto Ana como Pilar se riram e começaram a ir para a sala onde estava Vicente.
Ana colocou Esperanza no chão que depressa caminhou até Vicente. O menino estava deitado no chão, sobre uma manta e com os brinquedos por cima dele. Ia mexendo neles, ouvindo os sons que alguns deles faziam. Esperanza sentou-se ao lado dele, mexendo também nos brinquedos.
- Desculpa não estar tão presente na vida dela como prometi… - Ana acabou por falar, olhando para Pilar que a olhava – andam a acontecer tantas coisas…
- Eu sei neña. E não me tens de pedir desculpa, nem a ela. Se há coisa que eu não me esquecerei é de tudo o que fizeste pela minha filha, por mim… - Pilar passou o seu braço por cima dos ombros de Ana, encostando a sua cabeça com a da rapariga – e faço sempre questão que ela saiba disso.
- Obrigada…
- Temos de falar – Ana olhou-a, vendo uma Pilar bastante séria naquele momento – é sobre os compradores da tua casa. Eu procurei pelo caso no computador do Juan – Ana ficou bastante surpreendida com aquela afirmação de Pilar – ele saiu do escritório por uns minutos, eu tive de aproveitar! Não me olhes assim, por favor… - as duas riram-se, indo sentar-se no sofá – mas não consegui saber muita coisa. Não há nomes envolvidos no processo, só letras a denominar cada um dos interessados. São dois, uma senhora e um homem, de Madrid e a única coisa que te consegui arranjar foi a morada – Pilar abriu a sua mala, retirando de lá um papel que entregou a Ana – fica num dos bairros mais caros de Madrid.
- Ou seja, são pessoas cheias de dinheiro que vão entrar com todos os argumentos possíveis e imaginários.
- Todos mesmo. Nas observações que eu li diz lá que não há limite de valor sobre a casa.
- Obrigada, Pilar. A sério – o som da campainha fez-se ouvir e Ana levantou-se para ir ver quem era. Do outro lado do portão da casa estava o carro de Mario. Abriu-lhe o portão, deixando já a porta aberta para que, quando ele chegasse, pudesse entrar de imediato – esta situação toda está a dar comigo em maluca!
- Não é para menos…estão a mexer com imensa coisa do teu passado.
- Coisas com as quais eu não consigo lidar.
- Podemos entrar? – a voz de Mario fez-se ouvir e tanto ele como Sara começaram a entrar.
- Claro que podem! – Mario fechou a porta e os dois foram na direção de Ana e Pilar – como é que vocês estão? – cumprimentou os dois, assim como Pilar.
- Tudo muito bem – respondeu Sara, sentando-se ao lado de Pilar, enquanto Mario se sentou no chão junto dos meninos.
- Nem acredito que eu conheci esta menina ainda era uma bebé! – disse Mario, passando com a sua mão pela cara de Esperanza – tu é que já não te lembras de mim, pois não? – Esperanza estava envergonhada o que fez com que todos acabassem por sorrir.
- É o tio Mario, Esperanza – disse Pilar, fazendo com que Mario a olhasse – não deixas de ser um tio também.
- Obrigado.
- De nada, eu sei que estiveste ainda algum tempo com a minha filha, ajudaste a Ana e isso significa muito para mim.
- Deixem-se lá de agradecimentos, vá – Ana quebrou aquele momento com uma gargalhada, atirando o papel que tinha na mão na direção de Mario – conheces alguém que more por aí? – Mario olhou para o papel.
- Conheço. Nesta casa mora o meu treinador.
- Como? – Ana não conseguia estar mais incrédula com aquilo que ouvia.
- O teu treinador? – questionou Pilar.
- Sim. O Diego mora nesta casa, porquê? Querem ir lá entrevistá-lo?
- Não – Ana estava sem reação. Olhava para as suas próprias mãos, pensando no porquê de tudo aquilo.
- Está tudo bem? – Mario aproximou-se dela, agarrando-lhe as mãos.
- Há algo que possamos fazer? – perguntou Sara, fazendo com que Ana a olhasse.
- Há já algum tempo que eu ando a receber propostas para vender o terreno e a casa que eu tenho em Portugal. E essas propostas vêm aqui de Madrid… - olhou para Mario desta vez – dessa morada. Porque é que o teu treinador haveria de querer um terreno em Portugal?
- Posso tentar falar com ele sobre isso…
- Não, eu não quero que se metam em problemas. A Pilar já arriscou demasiado a conseguir a morada…
- Então e o que é que vais fazer? No que precisares eu posso ajudar-te – Sara era, também, advogada.
- Obrigada, Sara – agarrou a mão dela, olhando para Mario – achas que me conseguias arranjar um encontro com o teu treinador?
- Posso tentar ver o que consigo fazer, sim.
- Gracias – Ana agradeceu…tudo aquilo deixava-a ainda mais confusa.
Passaram grande parte da tarde todos juntos. Por entre brincadeiras com Esperanza e Vicente, conversas sobre a vida de Pilar, Mario e Sara, Ana tinha conseguido abstrair-se um pouco de tudo o que lhe andava a preocupar naquele momento.
A porta de casa abriu-se, poucos minutos depois de Pilar se ter ido embora. Era Sergio que voltava do seu treino.
- Vejam só quem está cá! – disse, pousando o saco do treino no chão – há muito tempo que não vos via! – cumprimentou primeiro Sara, dirigindo-se depois a Mario – que tal estão?
- Está tudo bem – respondeu Mario.
- Onde é que anda o rapaz? – perguntou Sergio, olhando para Ana.
- Olha saiu! Pediu-me se podia ir ter com umas amigas – tanto Mario como Sara se riram à gargalhada e Sergio acabou por se sentar em cima das pernas de Ana – olha aí! És pesado!
- De noite não te queixas! – todos se riram e, depois de trocarem um curto beijo, Sergio levantou-se – está a dormir?
- Hum, hum. Por isso não vás lá dar beijinhos nem coisa parecida senão ele acorda.
- Tens razão – sentou-se ao lado da mulher, entrelaçando a sua mão com a dela.
- Esteve cá a Pilar, também. Ela conseguiu a morada do comprador do terreno – anunciou, mostrando a morada a Sergio.
- Isto é na zona do Mario! – atirou Sergio, olhando para Mario.
- É sim senhor – disse Mario – fica muito afastada da minha casa, mas é o mesmo bairro. Essa casa é do Simeone.
- A sério? – perguntou incrédulo.
- A sério. Eu vou tentar falar com ele no treino amanhã de manhã, para ver se ele está disposto a encontrar-se com a Ana.
- Têm de arranjar uma forma de explicar como é que conseguiram a morada dele – afirmou Sara, capturando a atenção de todos – eles têm tudo confidencial, pelo que a Pilar disse, por isso têm de ter muito cuidado.
- Mais vale não fazer nada e esperar – acabou por dizer Ana, encostando a sua cabeça no ombro do marido.
- Não, isso não. Basta dizer-lhe que conseguimos a informação. Não temos de explicar nada – contestou Mario – eu digo-lhe que a proprietária é minha amiga e sabe que é ele quem está interessado no terreno. Depois disso logo vemos.
- Obrigado, Mario – agradeceu Ana.
Não sabia se aquela abordagem seria a melhor…mas tinham de a tentar.


- O Mario já disse alguma coisa? – perguntava Sergio, depois de ter saído do banho.
- Não. O treino se calhar ainda não acabou… - Ana sentou-se em cima da cama, deitando o seu filho sobre a mesma. Vestiu-lhe umas calcinhas e uma camisola, deixando-o à vontade – a tua mãe ligou.
- A dizer?
- A convidar-nos para ir lá almoçar no domingo, depois do teu jogo.
- Estou para ver, é uma desculpa para puder estar com o Vicente o tempo todo ao colo – os dois riram-se e o telemóvel de Ana começou a tocar.
Sergio dirigiu-se à cómoda do quarto, pegando no telemóvel para o entregar a Ana.
- Quem é?
- O Mario – Ana depressa pegou nele, atendendo a chamada.
- Mario? – disse, assim que atendeu.
- Bom dia, loca.
- Bom dia.
- Já falei com ele Sergio tinha se sentado em cima da cama e Ana não hesitou em agarrar a mão dele estás disposta a um café hoje às três da tarde com ele?
- Hoje? – Ana não esperava que pudesse haver um encontro entre os dois. Não com tanta brevidade.
- Sim. Ele está disposto a falar contigo.
- Ai é muito repentino – Sergio incentivava-a a ir já hoje falar com Simeone – mas sim…
- Queres ir com o Sergio? Eu posso ficar com o Vicente!
- O Sergio tem treino…
- Eu posso faltar – disse, muito depressa, Sergio.
- Eu já te digo qualquer coisa, sim? Obrigada por tudo, Mario.
- De nada, loca. Fico à espera Ana desligou a chamada, olhando para Sergio.
- Hoje. Às três, um café.
- Eu posso ir contigo. Aviso o treinador e vou contigo…
- Não. Tu tens jogo no sábado, precisas de treinar com a equipa.
- Mas…
- Não, eu vou sozinha.
- Nem pensar! – disse muito depressa Sergio – sozinha não vais. Ou eu vou contigo ou não sei. O Mario? Ele conhece o treinador e assim não ias sozinha.
- Não…o Mario não tem nada a ver com isto.
- Eu sei que não, meu amor – Sergio precipitou-se na direção da mulher, levando as suas mãos ao pescoço de Ana – mas, assim, não ias sozinha.
- Mas não há problema. É só um café…
- Mesmo assim…eu preferia que fosses com alguém. Que estivesse contigo caso as coisas não correrem bem. Vocês, provavelmente, vão falar do que significa aquela casa para ti…e eu não acho que devas estar sozinha.
- Tudo bem – Ana beijou-o, olhando-o de seguida – eu pergunto ao Mario se pode vir comigo. E, se calhar, deixo o Vicente com a tua mãe. Pode ser?
- Claro que sim. Ela vai adorar passar a tarde com o neto preferido.
- Não sejas assim! Ela adora os dois da mesma maneira.
- Claro! Mas o Vicente é o menino! Logo, é o preferido. A Dani é a preferida – os dois riram-se, acabando por se envolverem numa troca de beijo intensa.


- Obrigada por vires comigo – agradeceu, novamente, Ana. Ia no carro de Mario a caminho do café onde se tinha combinado com Simeone.
- Não precisas nada de me agradecer. O Sergio tem razão, tu não podias vir sozinha…podendo este encontro vir mexer com imensa coisa.
- Já está a mexer com imensa coisa, Mario.
- Eu sei, eu sei – fizeram mais uns minutos de viagem, parando em frente de um café mais afastado do centro de Madrid – chegámos – os dois retiraram o cinto de segurança, saindo do carro.
Caminharam lado a lado na direção do café. Entraram e, numa mesa mais ao fundo, estava Diego Simeone sentado, mexendo no seu telemóvel.
- Mister… - disse Mario, chegando perto da mesa.
- Chegaram – Diego levantou-se, cumprimentando primeiro Mario.
- Esta é a Ana, a dona da propriedade… - anunciou Mario, fazendo com que Diego a olhasse. Ana notou que ele tenha ficado surpreendido, ficou mesmo de boca aberta a olhar para Ana.
- Muito gosto – acabou por ser Ana a esticar a sua mão na direção de Diego que a acabou por apertar.
- Igualmente – disse – sentem-se, por favor – Mario puxou a cadeira em frente à de Diego para que Ana se sentasse a seguir.
- Obrigada, Mario – o rapaz sentou-se ao lado dela, enquanto Diego ficou sentado à frente de Ana.
- Fiquei bastante surpreendido por me ter descoberto – começou por dizer Diego, encostando-se à cadeira – posso saber como é que o conseguiu fazer?
- Penso que não valerá a pena responder a isso. Também ainda não me respondeu porque é que quer comprar a minha propriedade.
- O meu advogado tratou de responder por nós.
- A resposta do Juan é muito vaga. Por mais que se tenha ligado ao terreno, que goste dele…se calhar, se fosse uma outra casa não iria estar a insistir tanto.
- Talvez tenha razão – Simeone colocou as suas mãos sobre a mesa, entrelaçando uma com a outra. Chegou-se para a frente, olhando para Ana – há muitos motivos pelos quais estou interessado em adquirir o terreno. Não só eu, como a minha esposa.
- Não podem, não sei…escolher um outro terreno pela zona? – Mario limitava-se a olhar para os dois e a ouvir aquilo que ambos iam dizendo. Sabia que não estaria a ser fácil para Ana e que não iria melhorar caso falassem sobre toda a sua história.
- Por motivos muito pessoais, a minha mulher identifica-se bastante com aquele local. Lembra-lhe a infância dela.
- Pois. Também me lembra a minha. Foi ali que eu cresci até aos meus quatro anos. Foi naquele terreno que eu comecei a dar os primeiros passos, a dizer as primeiras palavras e a ser pessoa. Foi naquele terreno que eu vi os meus pais morrerem – Mario passou a sua mão para as costas de Ana, percebendo que as palavras estavam a sair-lhe a muito custo pela boca. Era quase como estar a ver Ana sofrer por dentro mesmo que ela não o demonstrasse exteriormente – eu passei 14 anos num orfanato e quando sai de lá refiz toda a minha vida ali. Consegue calcular o quão aquele sitio é importante para mim?
- Consigo – respondeu muito depressa Diego – eu vou falar com a minha mulher – Ana riu-se, deixando-se envolver pelas lágrimas que não conseguiram ficar presas.
- Porque é que insiste? Não há volta a dar…
- Deixei-me terminar – Diego agarrou a mão de Ana tentando, de alguma forma, acalmá-la – eu vou tentar o que conseguir para que ela não avance com mais propostas – Ana sentia um peso a sair do seu peito, uma leveza a invadir-lhe todo o seu corpo – eu não posso garantir nada. mas prometo que falarei com ela.
- Muito, mesmo muito obrigada.
- Eu não posso garantir nada…
- Eu sei.
- Vou deixar-lhe o meu contato – Diego abriu a sua carteira, retirando de lá um papel – se precisar de alguma coisa ligue-me. Eu sei que a minha mulher já falou consigo, por isso temos o seu número de telemóvel…assim que haja alguma coisa a dizer eu telefono-lhe.
- Gracias – agradeceu Ana.
- Bom, eu vou indo – Diego levantou-se, esticando a sua mão na direção de Ana – muito prazer em conhecê-la.
- Igualmente.
- Mario, até amanhã rapaz.
- Até amanhã, mister – Diego saiu do café e Ana sentiu o abraço apertado de Mario, segundos depois – o meu mister é boa pessoa, não é?
- É, Mario. Resta saber como é que será a mulher dele.
- Pelo que conheço…ela também era boa pessoa.
- Nota-se! – os dois optaram por lanchar naquele café, antes de voltarem a casa.


- Tereza Dias Simeone… - Ana olhava para o email que Pilar lhe tinha mandado.
- Que disseste? – perguntou Sergio, que estava a brincar com Vicente no chão.
- A Pilar mandou-me um email – Ana deixou o computador em cima do sofá, juntando-se ao marido – ela descobriu informações sobre a mulher do Simeone.
- Eu acho que não quero perguntar como…
- Acho que é melhor não. Sabes que nós, jornalistas, conseguimos coisas de maneiras, por vezes, menos próprias.
- Alguma vez fizeste coisas menos próprias?
- Não vou revelar isso – os dois riram-se.
- Então e o que é que ela descobriu?
- Bom. Chama-se Tereza Dias Simeone. Tem ascendência portuguesa e só conseguiu saber que nasceu em Portugal mas que se mudou para Espanha muito nova. Não há informação sobre a profissão dela, nem da sua escolaridade…
- Isso já é alguma informação.
- Pouca. E estranha…normalmente consegue-se sempre mais, muito mais. O que é que ela faz, o que já fez, se tem filhos, se tem dividas…e a Pilar não conseguiu descobrir nada disso. É quase como se ela fosse um fantasma em Madrid.
- Provavelmente tem alguém que lhe consegue apagar essas informações. Ou que, pelo menos, não sejam reveladas ao público.
- Não sei…
- Chama-se Tereza…
- Sim – os dois olharam-se por largos segundos. Era o nome da mãe de Ana. O nome que ainda lhe custava a pronunciar – e agora, Sergio?
- Não sei, meu amor – Sergio beijou-lhe a testa, olhando-a de seguida – tenta ter calma e passar os próximos dias sem pensar nisso. Pelo menos enquanto não te disserem mais nada.
Ana sabia que tinha de tentar viver a sua vida com normalidade. Não poderia estar constantemente preocupada com aquele assunto, sabendo que o desfecho já estava bem presente na sua cabeça: o terreno não seria vendido. 


Olá meninas! 
Cá está mais um capítulo desta história! Espero que estejam a gostar do rumo que ela está a levar e que deixem as vossas opiniões. 
Beijinhos, 
Ana Patrícia. 

sábado, 2 de abril de 2016

67: “Aquela casa será sempre minha”

 Ana, depois de deixar Sergio e Vicente em casa, decidiu ir até casa do seu irmão. Precisava de falar com ele e com a sua avó sobre o que tinha acabado se saber. Por breves instantes, na sua cabeça havia a possibilidade de serem eles a querer comprar a casa…mas também não queria acreditar nisso por ser uma hipótese tão estranha.
- Como assim? Se a casa não está para venda como é que a querem comprar? – perguntava Palmira.
- Não faço ideia – Ana andava de um lado para o outro no meio da sala, estando irritada com tudo aquilo – e o mais estranho é ser alguém de cá! É alguém de Madrid que quer comprar aquele terreno!
- Tem calma, Ana – pediu Gonçalo, fazendo com que a irmã se sentasse no sofá – temos de ir por partes. Tens o contato dessas pessoas, certo?
- Sim…mas acho que não tenho coragem para lhes ligar. O que é que eu vou dizer?
- Tu é que és a jornalista! Devias estar à vontade para essas coisas – Ana riu-se perante a afirmação do irmão, acabando por retirar o telemóvel da mala.
- É isso…eu sou jornalista, não é? – tanto o irmão como a avó acenaram afirmativamente com a cabeça e Ana depressa iniciou uma chamada para o número que Salvador lhe tinha dado. Não demorou muito a que atendessem e colocasse a chamada em alta voz – Juan?
- Sim, quem fala?
- Daqui fala Ana Ramos. Eu sei que é advogado em Madrid…correto?
- Sim, exatamente. Há algo que possa fazer por si?
- Eu sou a proprietária da casa em Portugal que está a tentar comprar para os seus clientes.
- Então estou a falar com a Ana Moreira, agora esposa do senhor Ramos.
- Exatamente – Ana olhou para o irmão – eu gostaria de saber se há alguma possibilidade de nos encontrarmos para esclarecer toda esta situação. A casa não se encontra à venda, nem penso colocá-la à venda…
- Claro que sim. Podemos agendar uma reunião no meu escritório e tratar pessoalmente desse assuno. A proposta que os meus clientes fazem é bastante flexível e estarão dispostos a qualquer tipo de negociação que queria fazer.
- Acho que não me entendeu – Ana levantou-se, caminhando pela sala – a casa não será vendida. Seja qual for a proposta dos seus clientes. Aquela casa será sempre minha, neste momento ao cuidado do Salvador com quem tem falado.
- Podemos então encontrar-nos amanhã? E eu mostro-lhe toda a proposta. Só assim poderá ter a certeza que não vende.
- Eu encontro-me consigo para colocar um fim a isto. Pode enviar-me a morada do seu escritório, por favor?
- Claro.
- Muito obrigada – Ana desligou a chamada, sentando-se de novo – não consigo compreender esta insistência, juro.
- O sítio onde vocês moravam é lindo, Ana – comentou a avó – talvez alguém se tenha identificado com o local e queira um escape de férias.
- Algo que me diz que há mais qualquer coisa por detrás.
- Só amanhã saberás – interveio Gonçalo – queres que vá contigo?
- Acho que não…ou acabo por ir sozinha ou com o Sergio. Mas…achas que me podes fazer um favor?
- Claro, diz.
- Podes falar com o tio Ricardo? Ele ultimamente anda estranho comigo e, se calhar, se falasses tu com ele poderia ser que ele soubesse de alguma coisa…
- Claro. Eu passo lá por casa dele a ver se consigo saber de alguma coisa.
- Obrigada, Gonçalo – Ana ainda ficou algum tempo em casa do irmão, esperando para ver o seu sobrinho acordado. O menino, com os seus dois anos e meio, estava a dormir uma sesta enquanto ali estava.


- Só sei que amanhã me vou encontrar com o tal advogado e ver o que é que ele tem para dizer. Mas é tudo muito estranho, Sergio – Ana sentava-se no sofá, com o seu pequeno Vicente nos braços. Tinha adormecido e Ana simplesmente não o conseguia largar – como é que é possível já terem passado seis meses desde que ele nasceu? – perguntou, olhando para Sergio.
- Acho que só nos apercebemos que o tempo passa mesmo muito depressa ao termos uma coisinha assim – Sergio aproximou-se dos dois, dando um beijo na cabeça do filho – chegaram hoje as fotografias que mandámos fazer.
- A sério? Até que enfim! – Sergio e Ana tinham mandado revelar três fotografias especiais do seu dia de casamento. Queriam colocá-las na casa, em molduras maiores.
- Queres ir ver onde as pôr?
- Sim, claro! – os dois levantaram-se – vou só pôr o Vicente no berço.
- E eu vou buscar as molduras – Sergio beijou-a e assim o fizeram.
Depois de deixar o filho bem aconchegado no berço, Ana desceu novamente as escadas, encontrando Sergio na sala, com três molduras grandes ao pé de si.
- Ai…estão com o tamanho certo! – disse, visivelmente entusiasmada, Ana aproximando-se do marido – já as viste?
- Não. Claro que não. Queria fazê-lo contigo.
- Obrigada – Sergio agarrou apenas numa.
- Começamos por esta?
- Sim – os dois começaram a retirar o papel que as cobria, sorrindo de imediato ao ver aquela fotografia.


Era a moldura mais pequena, mas mesmo assim com tamanho suficiente para colocar na parede. Sergio olhou para Ana, passando o seu braço por cima dos ombros da mulher.
- Está tão bonita… - confessou Ana, rodeando a cintura de Sergio com os braços – achas que ficará bem onde?
- Onde tu a quiseres colocar. Mas no teu futuro escritório seria uma boa opção… - Ana olhou-o, estranhando aquela sugestão – quando começares a trabalhar, temos de te arranjar um espaço para que possas estar à tua vontade, sem interrupções. Temos aquela salinha ao lado do meu escritório – que, por agora, era apenas a salinha onde estavam todos os troféus do Sergio – eu coloco os troféus no escritório e ficas com aquele espaço para ti.
- A sério?
- Claro!
- Obrigada – os dois trocaram um prolongado beijo, retomando à questão das fotografias – agora aquela – disse, apontando para a maior – tenho a certeza que será a que vai para o nosso quarto!
- Assim não vale! Tu sabes os tamanhos das molduras de certeza – Ana riu-se, pegando na moldura.
Depressa retiraram o papel que a cobria e Ana tinha acertado. Era mesmo aquela que iria para o quarto deles.


- Está super bonita – comentou Ana – foi um dia tão lindo, Sergio – Ana começava a emocionar-se ao ver aquela fotografia. Já o mesmo tinha acontecido quando andaram a escolher aquelas que queriam ampliar para colocar na sua casa – obrigada por tudo – olhou o marido, vendo-o sorrir – estou feita uma lamechas! – disse, limpando as lágrimas que lhe caiam pela cara.
- Eu gosto disso – Sergio aproximou-se dela, abraçando-a – e foi, sem dúvida, um dia lindo que ninguém poderá tirar das nossas memórias.
Foram logo colocar aquela fotografia onde tinha planeado que ficasse. Em frente da cama do seu quarto, bem no centro da parede. Abriram a outra apenas para a ver já que a iam colocar por cima do sofá mas ainda não tinham tudo preparado para o fazer.




- Ana? – chamou Sergio, enquanto a rapariga se começava a espreguiçar – Buenos dias!
- Buenos dias – saudou o marido, rodeando o pescoço de Sergio com os seus braços.
- Tenho de ir para o treino…
- Hum, hum.
- E o Vicente acordou há pouco – Ana olhou-o, meio confusa – acho que dormiste profundamente que não o ouviste chorar. Já lhe dei o leite.
- Oh, obrigada, meu amor – os dois trocaram um beijo e Sergio acabou por se levantar.
- Vou buscá-lo para aqui – Sergio saiu do quarto, voltando pouco tempo depois com Vicente nos seus braços – está a parecer-me que vão ter uma manhã de ronha.
- Não pode ser…tenho de ir ao advogado.
- Desculpa não puder ir contigo – Sergio entregou Vicente a Ana, que o deixou deitado a seu lado.
- Não tem mal…tens de trabalhar. E eu não vou fazer nada de especial. Tenho de garantir que não é para vender aquela casa.
- Assim que souberes mais alguma coisa diz-me – despediu-se da mulher com um beijo fugaz, quente e prolongado.
Ana aninhou-se na cama, colocando o filho mais perto dela. Vicente tinha tapado a sua cara com a mão e tinha adormecido junto do seu ombro. Ana não resistiu em fotografá-lo, beijando a mão do filho.

Acho que já começou a perceber que o fotografo por tudo e por nada. Te amo, bebé.
Estava, também ela, quase a adormecer quando o seu telemóvel tocou. Era Gonçalo.
- Bom dia – disse, assim que atendeu.
- Bom dia, mana. Que tal estás?
- Bem, bem. Estava quase a adormecer aqui ao pé do Vicente. Mas ainda bem que ligaste porque tenho de me pôr a andar…
- Posso ir contigo?
- Claro mas…
- Eu falei com o tio e há qualquer coisa que não bate certo. A tia também estava lá e pareceu querer-me contar qualquer coisa mas o tio Ricardo, simplesmente não a deixou falar e ficou atrapalhado.
- Eu sabia que havia mais qualquer coisa aqui envolvida…
- Vou buscar-te, sim? Estou aí dentro de 15 minutos.
- Está bem, obrigada Gonçalo – Ana não teve tempo para ficar ali deitada. Deixou o filho sobre a cama, enquanto se vestir sempre atenta aos seus movimentos.
Despachou-se a comer qualquer coisa rápida e, assim que Gonçalo tocou à campainha, saiu de casa com a sua mala e de Vicente. Viu o irmão estacionar o seu carro ao lado do dela, fazendo-lhe sinal que saísse.
- Vamos no meu pode ser? – perguntou, aproximando-se do irmão. Deu-lhe dois beijos, seguidos de um abraço – tenho lá a cadeirinha do Vicente.
- Claro! – Gonçalo fechou o seu carro, indo até ao da irmã. Conduzia ele, enquanto Ana ia nos bancos traseiros junto do filho – sabes alguma coisa sobre esse advogado?
- Não muita coisa…é conhecido aqui por Madrid por se relacionar com grandes nomes de várias áreas.
- E o que é que estás a achar de tudo? – os dois olharam-se pelo espelho e Ana só conseguiu encolher os ombros – tudo se vai resolver, pequenita.

A conversa com o advogado foi bem curta. Juan bem tentou persuadir Ana para que vendesse a casa mas sem qualquer sucesso. Estavam já a caminho de casa, quando esta recebe um telefonema.
- Sim? – disse, depois de atender.
- Buenos dias a voz de uma mulher surgiu do outro lado da linha eu tenho andado a tentar comprar a sua casa em Portugal.
- Eu acabei de falar com o seu advogado… - Gonçalo olhou para a irmã, surpreendido.
- Eu sei. Mas eu preciso que reconsidere a sua decisão. Preciso que me venda aquele espaço.
- Isso está fora de questão! O valor que aquela casa e aquele sitio têm, para mim, são incalculáveis. Eu não lhe vendo nada – Ana não teve outra reação a não ser desligar o telefonema – era a mulher que quer comprar a casa…
- Bem, tanta insistência começa a ser demais.
- É que começa mesmo! – Ana percorreu os seus contatos, ligando de seguida para Pilar – sei de alguém que é capaz de me ajudar – não demorou muito até que Pilar atendesse a chamada.
- Hola neña!
- Olá Pilar! Como estás?
- Bem, muito bem! E tu? E o Vicente?
- Estamos todos bem. E a minha afilhada?
- Cada dia maior! Temos de combinar qualquer coisa! Ela adoraria ver-vos.
- E nós a ela…Pilar, eu telefonei-te por uma razão específica.
- Que se passa?
- Andam a querer comprar a minha casa em Portugal e é alguém cá de Madrid…achas que me podes ajudar? Eu sei que deves ter alguns contatos de quando eras jornalista. Eu já tentei pensar em alguém que eu conhecesse mas ninguém me deve conseguir ajudar.
- Eu vou tentar…tens algum nome?
- Juan Vargas.
- É o meu advogado!
- A sério? Bom…ele tem uns clientes, então, interessados em comprar a minha casa.
- Vou tentar saber de alguma coisa e, quando tiver resultados, aviso.
- Muito obrigada!
Ainda ficaram algum tempo a conversar mas Ana não conseguia esquecer a voz da mulher com quem tinha falado. Era uma voz terna, muito doce e calma. Uma voz determinada naquilo que queria. Mas que Ana não lhe iria dar.


Olá meninas! 
Cá vos trago um capítulo. Demorei mais tempo, não por não ter conseguido escrever antes mas foi mesmo por esperar os vossos comentários. Como eles não chegaram, decidi trazer-vos um outro capítulo na mesma. Espero, contudo, que não tenham desistido da história. 
Beijinhos, 
Ana Patrícia.