terça-feira, 28 de julho de 2015

60: “Como assim vão partir de Madrid?”

- Tens a certeza que estamos na morada certa?
- Tenho Sergio...conheço Lisboa como conheço as palmas das minhas mãos.
- Não sei se confio em ti –
Ana olhou-o, revirando os olhos. Sergio sabia que ela não levava aquelas brincadeiras pelo melhor, sobretudo quando estava de mau humor – mas, isto está muito sossegado e abandonado.
- Tens razão...mas nós estamos no sitio certo –
Ana dirigiu-se à porta que estava na sua frente, tocando à campainha.
Esperaram pouco para ver a porta abrir-se. Uma senhora, na casa dos sessenta e poucos anos, abria-lhes a porta. Pela descrição que Miranda tinha feito, era Manuela.
- Boa tarde – muito baixo, Manuela cumprimentou-os olhando, à vez, para eles.
- Boa tarde – os dois, em uníssono cumprimentaram a senhora.
- Eu sou a Ana – avançando na direção de Manuela, Ana sentiu-se a ficar nervosa – nós viemos buscá-la.
- O meu marido...ele deve estar a chegar da rua –
os dois conseguiram ver o pânico instalar-se no rosto de Manuela. Perceberam, ali, que aquela senhora viveria um autêntico pesadelo naquela casa.
- A senhora tem tudo pronto? – num português muito estranho, foi Sergio quem fez a pergunta.
- Sim, sim...
- Vamos, então, buscar as suas coisas –
Manuela abriu-lhes a porta, deixando-os entrar. Contrariamente ao que pensou, no interior daquela casa o cenário era calmo, parecendo quase uma casa feliz onde se respirava um cheiro intenso a rosas misturado com baunilha.
- Eu vou lá dentro buscar as malas.
- Quer ajuda? –
perguntou-lhe Ana.
- Não, deixa estar. Vocês já me estão a ajudar imenso. É pouca coisa, são só duas malas...a Miranda disse que devíamos partir de Madrid – os dois olharam-se, enquanto a senhora foi até ao seu quarto.
- Como assim vão partir de Madrid? – perguntou Ana, colocando-se à frente de Sergio.
- Não faço ideia...nas noticias tem surgido que o Xabi vai para o Bayern.
- E eles não nos diziam nada? A Miranda não me dizia nada?

- Se calhar estão à espera do momento certo. Se for verdade...
- É estranho, Sergio. Muito estranho. Se a D. Manuela já fala de se mudarem de Madrid...
- Tem calma, quando lá chegarmos logo saberemos o que se passa.

Sergio abraçou-a, esperando pela chegada de D. Manuela.
- Eu não sei como vos agradecer – começando a sair de casa, D. Manuela parecia bastante emocionada.
- Nós só aqui estamos porque a Miranda nos pediu...somos apenas os intermediários entre vocês.
- Oh minha querida –
Manuela agarrou-se ao braço de Ana, olhando-a fixamente – é preciso serem muito boas pessoas para estarem a fazer algo assim. E eu ficarei eternamente grata por, aos 64 anos, me estarem a dar uma segunda oportunidade para viver.
- Estamos a dar-lha porque merece. Porque, mesmo por pouco tempo, conseguiu ser a única a ser uma mãe para a Miranda.

Manuela abraçou Ana, deixando-se ficar a olhar para a sua casa.
- Eu vou ter saudades da minha casa...
- Acredite, D. Manuela –
Sergio colocou a sua mão em cima do ombro de Manuela, fazendo-a olhar para ele – a senhora precisa de ser feliz.
Manuela, mesmo deixando as lágrimas escaparem-lhe pela cara, conseguiu sorrir. Os olhos de Manuela ganhavam um brilho, um brilho de esperança e confiança.
- Boa tarde – todos se assustaram com aquela voz grave e rouca de homem que surgiu atrás dele – posso saber o que se passa?
- Hugo... –
Ana sentiu que Manuela começou a tremer que nem varas verdes e, também ela, começou a sentir o seu coração palpitar como se estivesse a querer sair-lhe pela boca. Olhou para Sergio, que demonstrava estar calmo e tranquilo. Quase como se o marido de Manuela não estivesse, agora, à frente deles.
- Quem são eles?
- Eu sou prima da Manuela –
Ana, muito rapidamente respondeu àquela pergunta – nós estávamos de passagem e lembrei-me de parar para a visitar.
- Não me lembro de te ver...
- A última vez que cá vim eu era muito pequena.
- Estou a ver –
Hugo olhava para Manuela com uma intensidade tal que deixou Ana desconfortável e com um frio estranho na barriga – já se estavam a despedir?
- Sim, sim –
Manuela virou costas a Hugo, olhando para os dois – gostei muito da vossa visita – Ana abanou a cabeça, abrindo a porta do carro.
- Entre Manuela – ao dizer aquilo, viu os olhos de Manuela abrirem-se de tal forma que pareciam querer sair da sua orbita – nós não a vamos deixar aqui.
- O que é que estão a dizer? –
Hugo apercebeu-se da situação, falando mais alto do que à pouco.
Manuela e Ana entraram no carro, para os bancos traseiro, ficando Sergio frente a frente com Hugo.
- Eu posso não falar muito bem o português – Ana riu-se, a situação não era a melhor para se rir, mas tinha-o feito – mas, se o senhor tem coraje para bater numa muler, você também tem coraje para bater num homem. Pero, não o vais fazer. Vai ficar aí e nós, vamos embora. No tente ir atrás, no mesmo.
Hugo deixou-se ficar estático naquele sítio. Olhava para Manuela de forma intensa, assustada até e com grande vontade de fazer alguma coisa. Mas, até saírem dali, Hugo não se movimentou e, quando o fez, foi para entrar em casa.
- Não sabia que conseguias ser assustador àquele ponto Sergio – já a caminho do aeroporto, Ana tinha iniciado a conversa naquele carro.
- Eu também não...mas saiu assim.
- E um portunhol muito engraçado –
disse Manuela, fazendo-os rir – eu estava a ver a minha vida andar para trás, por momentos.
- Nós não íamos deixar que isso acontecesse –
Ana agarrou a mão de Manuela – por mais que ele pudesse fazer alguma coisa, ameaçar-nos nós iríamos traze-la connosco.
- Muito obrigada, meus anjos –
Manuela agarrou a mão de Ana, beijando-a. Ficou a olhar para ela, de certa forma enternecida – estás de quantas semanas?
- Toma! Eu disse-te que já se começava a notar! –
atirou Sergio, batendo com a mão no volante. Manuela estranhou aquela reacção dele e Ana acabou por se rir.
- Nós temos uma longa história para contar em relação a isto. Resumidamente: estou de vinte semanas, ainda não sabemos se é menino ou menina, e, normalmente a minha barriga só se começa a notar a partir das 22 semanas.
- Mas olha que já se nota, Ana. Têm mais filhos?
- Não –
Ana pode ver que Manuela ficou confusa – eu é que já sofri dois abortos e o ultimo já com sete meses de gravidez.
- Oh minha querida...eu, eu sinto muito.
- Já passou...
- Deus vais recompensar-vos. As coisas boas acontecem a quem pratica o bem...e vocês são merecedores das bênçãos que Ele tem para vos dar.

- Obrigada, D. Manuela.
Quando chegaram ao aeroporto, bastou apenas fazerem o chek-in e rumarem a Madrid. A viagem seria rápida e, se não houvesse turbulência, tranquila.



- Se calhar era melhor não tocarmos à campainha... – comentou Ana, chegando ao portão de casa de Xabi – a Maya pode estar a dormir.
- Liga para o Xabi –
Sergio entregou-lhe o telemóvel e Ana fê-lo. Depois de conversar com ele, o portão abriu-se e puderam ver Miranda com Maya nos seus braços e Xabi já no exterior da casa.
Ana viu, estampado no rosto da melhor amiga, felicidade. Miranda estava mais feliz, estava relaxada e com um brilho resplandecente. Assim que Sergio parou o carro, todos saíram do mesmo.
- Eu nem acredito que já chegaram... – comentou Miranda, olhando para Manuela.
- Ah pois, isto é sempre para a frente – atirou Sergio – não te esqueças que tens de nos dar a Maya por um dia. Foi o combinado!
- Fica descansado, Sergito –
Miranda riu-se e acabou por entregar Maya nos braços de Ana – obrigada, por tudo, Ana.
- Não precisas de me agradecer nada, Miro. Mas temos muito que falar...
- Eu sei. E, perdoa-me por ainda não o ter feito.
- Vai –
Ana saiu da frente de Miranda, dando-lhe passagem para ir ter com Manuela – aproveita para descobrires uma mãe. Ainda vão a tempo disso.
Miranda sorriu-lhe, olhando para Manuela. Ana encostou-se a Sergio, olhando para Maya. A menina, de olho muito aberto, mantinha-se atenta e segurava o dedo indicador de Ana.
- Eles vão embora, Sergio.
- Como sabes?
- Eu conheço a Miranda...se ela ainda não falou comigo sobre isso foi porque ainda não teve coragem de o fazer. E, agora, pediu-me desculpa –
Ana olhou para Sergio, encostando a sua cabeça ao peito dele – devem ser os últimos dias deles por cá.
Sergio rodeou o corpo de Ana com os seus braços, olhando para Miranda e Manuela. As duas abraçavam-se e viam Manuela com um sorriso nos lábios. Viam-na abraçar Miranda como se todo o seu mundo estivesse concentrado nela.
- Sabes, Miranda – Manuela acabou por se afastar dela, olhando-a. Levou as suas mãos à cara da jovem e recente mãe, limpando-lhe as lágrimas que caiam pela sua cara – todos estes anos que passaram foram uma tortura para mim. Eu não sei o que é ser feliz desde aqueles meses que passaste na minha casa. Sempre te quis na minha vida, sempre quis cuidar de ti...e sempre soube que nunca havias tido mais ninguém que te quis adotar. Podes tu já ter 24 anos e eu 64 mas eu quero que saibas, que nunca me esqueci de ti. E que, neste momento e se o aceitares, eu poderei ser quem tu precisas que seja na tua vida. Posso vir tarde...
- Mas vem na melhor altura, Manuela –
Miranda interrompeu-a, dando-lhe um beijo na bochecha – chegou na altura certa, na altura para me ajudar a criar a minha filha, para me ajudar a ser mãe.
Ana emocionava-se com aquelas palavras delas. Alias, ninguém ficava indiferente ao que presenciavam. Tanto uma como outra tinha ficado marcadas por aqueles meses de Miranda em casa de Manuela. Tinham sido felizes naqueles meses e, agora, tinham uma nova oportunidade para o serem também.



Ana, Miranda, Manuela, Maya e Ane aproveitavam a bela tarde do dia seguinte em Fuencarral. Perto de Madrid, um sítio magnífico para poderem aproveitar o ar puro e fugir da cidade.
Miranda tinha deixado Manuela avançar com o carrinho de Maya e Ane para puder conversar com Ana.
- Ana, eu ainda não tinha dito nada porque não é certo...nós andamos a falar sobre isso mesmo antes de a Maya nascer, estamos a ponderar tudo.
- Miranda, é uma oportunidade única. É certo que vão para um sitio com uma língua complicada mas vocês adaptam-se bem. a liga alemã poderá não ser aquela coisa muito disputada, já sabemos que o Xabi será campeão – as duas riram-se e Ana acabou por parar olhando para Miranda – mas vocês estão prontos para aceitar. Eu vejo isso.
- Eu não sei...tenho medo de deixar o que estávamos a construir aqui.
- Vão continuar a construir lá, Miro. Não poderás ter medo. Tens um homem maravilhoso a teu lado, a Manuela que é uma senhora impecável, uma filha linda como a Maya e...calma, a Ane o Jon?
- Provavelmente vêem connosco.
- A sério?
- Sim. Já falamos com a Nagore, ela está reticente mas concorda com a ida deles connosco. Quer trocar a custódia deles. Em vez de ser o Xabi a estar com eles de quinze em quinze dias, é ela. Mas vai a Munique por causa da escola dos meninos.
- Miranda –
agarrando nas mãos da amiga, Ana sorriu – vocês têm tudo planeado, vão ser mais do felizes eu tenho a certeza disso. E eu só posso ficar feliz por ti e pedir-te uma coisa! Só uma.
- O quê?
- Que venhas cá na altura do Natal, em Janeiro e quando nascer o bebé.
- É claro que venho! Estarei cá sempre que precisares de mim...Janeiro porquê?
- Eu e o Sergio estamos a pensar marcar o casamento para essa altura.

- A sério? Podes ter a certeza que venho no natal e fico cá até essa altura para te ajudar com tudo!
As duas abraçaram-se, sendo interrompidas pelo choro de Maya. Estava na hora de comer. Fizeram uma pausa naquela caminhada e Ana, vendo que Ane e Manuela se tinham sentado à sombra para, também elas comerem, deixou-se ficar quieta e observar a extensão de água que tinha na sua frente.
Pouco depois, viu Miranda à sua frente, a fazer o mesmo com Maya no seu colo. Saberia que iria ter saudades da sua melhor amiga, da sua melhor companheira de vida...mas sabia que era altura de Miranda ser feliz como ainda não tinha sido.



- Ana, o que é que estás a fazer? – perguntava Sergio, vendo Ana muito concentrada no seu telemóvel.
- Uma declaração de amor.
- A mim?
- Não, seu convencido. À minha Miranda. Eu já estou cheia de saudades dela e só foram embora à uma hora!
- Isso é normal, meu amor –
Sergio deitou-se no sofá, deixando a sua cabeça sobre as pernas de Ana – olha, a tua avó?
- O que é que tem? –
Ana estranhou, e muito, aquela pergunta.
- Desde que lhe foste entregar as cartas...ela nunca mais falou contigo, pois não?
- Eu também não lhe liguei, Sergio. Deixa-me lá acabar isto.
 
Ana concentrou-se no telemóvel, terminando a publicação que fazia no seu instagram.

A vida uniu-nos de forma a nunca mais nos separarmos. Passamos tantos anos juntas naquele orfanato, tantos anos juntas a vivermos juntas e a partilhar todos os segredos e confidencias uma com a outra.
Tenho, em ti, a irmã que nunca um pai me deu. A melhor amiga de todos os tempos e a maior chata! Sempre me deste na cabeça pelas escolhas que fazia, sempre me olhaste com preocupação quando essas escolhas davam para o torto.
Cuidas de mim como uma irmã cuida da outra. Cuidas de mim como nunca ninguém cuidou. Podes ser mais nova que eu, uns mesinhos apenas, mas tenho em ti a irmã mais velha que nunca tive. Podemos ter a mesma idade, mas és a mais velha. És quem me protege.
Sei que faço o mesmo contigo. Não somos do mesmo sangue, mas aquilo que partilhamos uma com a outra, vale mais do que qualquer ligação de sangue. Nesta nova fase da tua vida, a de seres mãe da sobrinha mais linda que tenho, a de seres mulher e companheira do melhor namorado que podia ter, eu desejo-te o melhor. Mais do que desejo para mim. É aquilo que mereces.
Sê feliz meu amor. Estarei sempre à tua espera.
Amo-te, Miranda. Minha irmã.


- Estás mesmo lamechas!
- Oh, não comeces.
- Está muito bonito o texto, Ana.
- Obrigada –
Ana mexeu-lhe no cabelo, olhando fixamente para Sergio – achas que deveria falar com a minha avó?
- Não sei...mas vocês deixaram as coisas muito más entre vocês. E ela está cá em Madrid porque veio por ti...

Ana sabia que Sergio tinha razão...e sabia que teria de fazer qualquer coisa. Havia dias que olhava para as cartas que o seu tio lhe tinha entregue, sem nunca as conseguir ler. Pensava na sua avó...e naquilo que tinha ficado por dizer. 
 
 
 
 
Olá meninas!
Pois é, finalmente um capítulo! Não é que o tenha andado a escrever...porque já estava escrito à uns belos dias. Mas, sabem, às vezes dá preguiça de publicar, metem-se outras coisas para fazer e esqueço-me completamente de o fazer. Peço desculpa por isso.
Fico à espera dos vossos comentários!
Beijinhos.
Ana Patrícia.

3 comentários:

  1. Holla :)
    Gostei muito deste capitulo :)
    Espero bem que a Ana fale com a Avó :)
    Bjs e quero o próximo sff :)

    ResponderEliminar
  2. Adorei ;)
    Que venha o próximo... e rápido!
    Bjs

    ResponderEliminar